sábado, 17 de setembro de 2011

Os dias de Noé

"Pois assim como foi nos dias de Noé, também será a vinda do Filho do Homem." Mt 24:37

Qual era o pecado dos dias de Noé? A qual situação Cristo nos alerta?
Por certo as pessoas antediluvianas faziam coisas bem usuais. Seu dia a dia era repleto das atividades que hoje nós também fazemos. Buscar o sustento e comer, após períodos de trabalho relaxar e festejar, buscar relacionamentos casar-se e dar-se em casamentos. Tudo o que procuramos hoje, mesmo que a roupagem moderna seja diferente. Como disse o sábio "nada há de novo sob o sol" (Ec 1:9b).

Mas, se o comportamento humano basicamente é o mesmo, para o que nos alerta Jesus? Qual o pecado?
O dilúvio veio a toda uma geração de seres humanos porque "viu o Senhor que a maldade do homem se multiplicara sobre a terra, e que toda a imaginação dos pensamentos de seu coração era má continuamente." (Gn 6:5).

Ao lermos esse texto não podemos ter a ilusão de que o juízo veio a eles, através do dilúvio, por causa de atos pecaminosos. Definitivamente não. O texto nos informa que Deus sondara os corações e que proporcionalmente à multiplicação numérica das pessoas a depravação e a maldade intrínseca a cada ser humano se multiplicou também. E não é só isso a maldade era contínua e dominava TODOS os pensamentos daqueles seres humanos.

O grande pecado dos antediluvianos foi desconsiderar a Deus. Desprezar progressiva e cabalmente ao seu criador e mantenedor. Se inflaram em seus próprios conhecimentos, em seu desenvolvimento tecnológico, em sua suposta liberdade, em seu suposto livre-arbítrio para decidir o que é certo e o que é errado.
O que vemos hoje no mundo? Somos mais de 7 bilhões de pessoas no planeta. Para os que gostam de números somos cerca de 2 bilhões de cristãos. Alguns contentam-se com isso e crêem que a fé cristã está crescendo. Algumas estimativas apontam para mais de 36.000 outras para mais de 40.000 denominações cristãs no planeta. das mais esdrúxulas às mais conservadoras. o que isso quer dizer?
Penso que, como no tempo de Noé, onde apenas uma família foi salva pela graça divina, e como no tempo de Elias, época de apostasia massiva, havia 7.000 pessoas fiéis, os números de hoje não deveriam nos impressionar muito. Igrejas lotadas e a mera confissão de que Jesus é o Senhor sem um viver que corresponde ao discipulado aos pés da cruz apenas tornam-se miragens no cenário da fé cristã. Números que enchem estatísticas mas não tem significado real nem prático.

Ao olhar para os dias recentes é impossível ao crente não compará-los aos dias de Noé. Não devemos nos orgulhar. Devemos nos achegar a Deus, lavar as nossas mãos, pecadores que somos, purificar os nossos corações de vontade dupla. Devemos sentir as nossas misérias, lamentar e chorar. Que todo nossso riso e contentamento neste mundo se converta em pranto e que toda nossa alegria com uma vida fútil e superficial, que apenas professa piedade mas nega-lhe o poder se transforme em tristeza. Que ao estarmos assim quebrantados possamos confiar que o Senhor se achegará a nós. Humilhemo-nos perante o Senhor e Ele nos exaltará (Tg 4:8-10). Não para esta vida, mas para a vida eterna ao Seu lado.

O que aprendi com Caim e Lameque

Com respeito a Gênesis 6:2 creio que a expressão “filhos de Deus” se refere a seres humanos mesmo podendo se aplicar a reis ou governantes ou não1 .  Desta forma a dicotomia de duas linhagens de pessoas é bastante clara. Sou reformado e conservador na interpretação bíblica. Creio que a partir de Caim e Abel já se pode distinguir duas vertentes de seres humanos; os adoradores fiéis a Deus e os infiéis. O restante todo da história bíblica, que tem como eixo central a intervenção divina nessa história, em Cristo, é a demonstração da existência e da batalha entre esses dois grupos de pessoas como reflexo do conflito entre Deus e Satanás até que este venha a ser eliminado no lago de fogo juntamente com a morte (Ap 20:10-14). A propósito desse argumento veja-se I Jo 3:12 a respeito do caráter e posição de Caim.

Caim representa não somente a origem daquilo que virá a ser a expressão do mundo com as suas concupiscências más. Ele é, antes, a representação de um sistema falso de adoração a Deus.  Caim tinha fé em Deus (ao menos de que Ele existia e devia ser adorado) e trouxe suas ofertas ao Senhor, mas não com inteireza de coração2.  Caim possuía fé, mas não a fé salvífica que dá crédito somente a Deus pela redenção. Uma fé não salvífica leva a buscar formas de adoração espúrias.

O fato é que, como visto no post anterior, Caim teve olhos maus sobre a adoração legítima de Abel. Sua indisposição contra seu irmão foi apenas um reflexo de sua indisposição para com o próprio Deus. Tem sido assim na história desse mundo desde o início e o será até o fim. Os cristãos fiéis devem esperar por sofrimento e reprovação do mundo mas há uma promessa de recompensa (Hb 11:4, Mt 5:10-11). Fora do relato de Gênesis 4 Caim é citado como nome de cidade uma vez (Js 15:57) e como exemplo de impiedade em três outros textos (Hb 11:4 – em oposição a Abel, I Jo 3:12 – onde é dito que ele era do maligno devido seu caráter mau, e em Jd:11 – como exemplo da corrupção e brutalidade irracional que a iniquidade dá origem.

Note que o relato bíblico termina o capítulo 4 com a descendência a partir de Caim. Tomando-se Adão como o primeiro tem-se: 1-Adão, 2-Caim, 3-Enoque, 4-Irade, 5-Meujael, 6- Metusael, 7-Lameque. O relato das genealogias tem uma pausa para expor algo a respeito de Lameque. Dele se narra o primeiro canto na Bíblia, e é um canto de orgulho pelo fato de ter matado um homem e um rapaz. Além desse fato nota-se o primeiro relato de bigamia, pois ele tomou duas mulheres para serem suas esposas. Lameque representa o processo de endurecimento que o pecado causa, progressivamente, naqueles que rejeitam a Deus e vivem de acordo com seus próprios desígnios.

O capítulo 4 termina com uma nota de esperança. Adão e Eva tiveram outro filho, descrito como alguém que tomaria o lugar de Abel. Repare que, a título de comparação, o capítulo 5 fornece a genealogia a partir de Adão e deste terceiro filho, Sete. Desta forma temos: 1-Adão, 2-Sete, 3-Enos, 4-Cainã, 5-Maalalel, 6- Jarede, 7-Enoque (este o que foi tomado por Deus, para si). Note o contraste entre a impiedade de Lameque (o sétimo na linhagem de Caim) com a piedade de Enoque (o sétimo na linhagem de Sete).

O capítulo 6 termina com a descrição das gerações de Sete até Noé e seus filhos. Apesar do que foi dito de Enos, que nos seus dias se começou a invocar o nome do Senhor, há a informação paralela em Gn 6:5 de que “o Senhor viu que a maldade do homem se multiplicava na terra e que era (e é3) continuamente mau todo o desígnio de seu coração”.

O que aprendi com Caim e Lameque?

1 - posso tentar adorar a Deus de qualquer outra forma que não seja a que Ele determina. Não sou impedido nisso. Mas o fato de a minha adoração ser de acordo com minha vontade não implica que Deus a deva aceitar. Posso ser um adorador (no sentido amplo da expressão), mas estar bem distante da vontade de Deus;

2 - chega um ponto em que sou confrontado, como Caim o foi, e levado a refletir. Como me relaciono com Deus? É uma relação honesta ou sou somente um adorador de fachada? Buscando a sensualidade e os prazeres da carne sob a máscara de culto à Deus? Quando Deus, em sua eleição e providência, se revela ao homem a única coisa que lhe resta é certificar-se de sua pecaminosidade e impureza (Is 6:5);

3 - se eu não tenho o dom da fé salvífica a fé que desenvolvo é, meramente, a fé dos demônios: sabem que Deus existe, prostram-se diante dEle porque é imperativo, mas o coração está centrado no próprio eu. Não há amor, não há prazer e não há comunhão verdadeiros;

4 – Caim me leva a refletir que, no pecado, quero ferir a Deus.  Ninguém pode fazer Deus sangrar vencendo-O, desta forma transfiro o meu ódio e minha vingança contra o meu irmão que exala o perfume de Cristo. Não vejo que o bom testemunho de um crente fiel é um alerta para mim. Ignorante que é, o ímpio não percebe que o seu pecado faz Deus sofrer e que as feridas em um crente fiel, por vingança contra Deus, o ferem mais ainda. Isso nos leva a refletir quão grande é o ódio de Deus contra o pecado e qual será a carga dessa ira divina sobre os iníquos que seguem a satanás (Ap 20: 9-15).

5 – sou levado a refletir que o pecado acariciado, desejado e praticado de forma contínua cauteriza a mente a ponto de homens acharem comum, normal e, subsequentemente correto a sua prática. O canto de Lameque com ênfase de que a vingança para ele seria setenta vezes maior que a vingança contra Caim é uma exaltação a si mesmo como realizador de feitos maiores que seu antepassado. Veja o que a humanidade busca hoje com relação ao aborto, homossexualismo, pedofilia, fornicação, adultério, vários tipos de crimes, a perversão do direito, e etc... Para que o mal prevaleça ainda somam uma batalha árdua contra a Bíblia, a fé verdadeira, a adoração verdadeira, uma visão correta de Deus, doutrinas equilibradas, etc...

6 – ambos me levam a refletir: Se há duas linhagens de pessoas no mundo, através da história, a qual delas pertenço? Faço parte da linhagem dos fiéis filhos de Deus, dos verdadeiramente renascidos, convertidos e regenerados? Ou faço parte dos degenerados em rebelião?

7 – sendo honesto: como minha adoração reflete o que vai em meu coração? Sou fiel? Ou sou um hipócrita? Um rebelde sob uma máscara?

Somente a graça e a misericórdia divina podem nos revelar. Atentemos ao que nos diz Tiago 4:6b-10:

Deus resiste aos soberbos, mas dá graça aos humildes. Sujeitai-vos, pois, a Deus, resisti ao diabo, e ele fugirá de vós. Chegai-vos a Deus, e ele se chegará a vós. Limpai as mãos, pecadores; e, vós de duplo ânimo, purificai os corações. Senti as vossas misérias, e lamentai e chorai; converta-se o vosso riso em pranto, e o vosso gozo em tristeza. Humilhai-vos perante o Senhor, e ele vos exaltará.”

Soli Deo gloria.

notas
1 – Há três principais teorias sobre a interpretação de Gn 6:1-2. Para abordagem inicial veja nota de estudo, por exemplo, como na Bíblia de Estudo Palavras Chave, CPAD, 4ª, 2011, pg. 11-12

2 – Para ilustrar e esclarecer mais veja a mensagem de Josemar Bessa: Cultuando a Deus como Caim ou Abel? Em http://vimeo.com/28881175 ou em http://www.josemarbessa.com/2011/09/cultuando-deus-como-caim-ou-abel.html

3 – comentário do autor

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

O que aprendi com Caim e Abel

          É significativo que a narrativa bíblica passe o foco do primeiro casal para os dois irmãos. Há comentaristas que vêem aqui, já, um protótipo da divisão da humanidade entre os adoradores do Senhor e os ímpios, iníquos.
          O foco da narrativa centra-se no evento do sacrifício e, embora algumas pessoas vejam um significado redentivo (no fato de que a oferta de Abel era de sangue e a de Caim não era) não há base textual para supor assim. o foco está no coração dos adoradores. Foi realizada uma oferta a Deus, por cada um dos dois, com base no que tinham, segundo o seu coração. O diretor John Huston no filme "A Bíblia: o começo" (The Bible: the beginning, 1966) retrata de forma muito criativa esta cena ao mostrar como Caim reconsidera o quanto está ofertando e retoma uma certa quantia da dádiva.
          Bem, a Bíblia é muito clara em diversos locais: os olhos do Senhor estão atentos para aquele que é humilde e de coração contrito (conf. Is 57:15, Sl 51:17, 1 Pe 3:12). A atitude de Abel é aquela que o Senhor ansiava por ver em um adorador e Ele se alegrou e teve prazer na oferta de Abel. O problema é que, como Paulo demonstra muito bem, um bom testemunho tem uma função dupla (2 Co 2:15-16); aroma de vida para os que se salvam e cheiro de morte para os que se perdem.
          Caim teve desgosto com Deus. O Senhor já lhe conhecia o coração e sabia que as coisas não iam bem. A recusa da oferta de Caim não foi a recusa de uma formalidade, foi a recusa da essência, do interior, do coração mesmo (Mt 5:23-24). A inveja que o levou a descarregar ira sobre seu irmão "certinho" foi apenas a manifestação do descontentamento com Deus lançado em alguém mais fraco, visto que ele não podia combater com o Senhor. Agora o exterior de Caim revelava clara e abertamente o que ia em seu íntimo.

          Quantas vezes eu não descarrego em outras pessoas o meu descontentamento com Deus? Ainda mais hoje, em dias de teologias de prosperidade?  Quantos de nós somos como Jó, submissos a aceitar tanto o bem como o mal das mãos do Senhor? (cf. Jó 2:9-10).

          O que mais me toca, quando leio esse relato, é o fato de que Deus busca a Caim. Vai atrás dele e revela que o conhece no íntimo, que sabe seus sentimentos e emoções. Ora o Senhor nos clama e adverte a todo momento: "Dá-me, filho meu, o teu coração, e os teus olhos se agradem dos Meus caminhos" (Pv 23:26). Deus faz uma promessa: se procederes bem, não é certo que serás aceito? Aqui não podemos ver autorização para uma espiritualidade ética apenas, nem brechas para uma salvação por méritos baseados em boas obras. a mensagem é clara. fazer o certo molda a vontade tando quanto a vontade reta determina a fazer o certo. um cristão deve ser reto porque é o certo. Gosto de uma mensagem do Pr. Tim Conway que nos faz refletir sobre o fato de vivermos buscando uma moralidade mínima, sempre perguntando até onde podemos ir próximos do pecado e ainda dizer que somos crentes. Curiosamente ele termina com um apelo contundente: quer ser mundano? volte para o mundo!
          A advertência que o Senhor faz a Caim é muito esclarecedora: Se, todavia, procederes mal, eis que o pecado jaz à porta; o seu desejo será contra ti, mas a ti cumpre dominá-lo (Gn 4:7b). Muitos comentaristas vêem aqui a figura de um pequeno demônio, ou uma fera, na soleira da porta, prestes a atacar a pessoa que sai - o hebraico permite essa leitura. Isso remete ao que Pedro disse a respeito de Satanás, que "anda em derredor, bramando como leão, buscando a quem possa devorar ( 1 Pe 5:8) e conclama os crentes à vigilância e sobriedade.  
          Aqui já há espaço suficiente para uma reflexão muito profunda: Ser tentado não é pecado. Mas ser tentado mostra, diretamente, como o meu coração é mau e impuro, pois sou tentado conforme minhas próprias concupiscências (maus desejos, cobiças) Tg 1:14. Deus estabelece os termos da batalha: o seu desejo (da tentação ao pecado) será contra ti - mas a ti cumpre dominá-lo.
          Não sou salvo, em Cristo, para viver como eu quero, para ter o que eu quero, para que tudo seja como eu quero. Pelo contrário, ser salvo em Cristo implica em passar por um longo e doloroso processo de luta constante contra as minhas vontades pessoais: Se alguém quer vir após mim, a si mesmo se negue, tome a sua cruz e siga-me (Mt 16:24). Lucas (9:23) ainda adiciona, negue-se dia a dia. Como bons influenciados pela religião romana temos o hábito de pensar muito na cruz pessoal como problemas, dificuldades da vida, principalmente externas ao nosso coração-mente (pobreza, um cônjuge ruim, um filho rebelde, um emprego difícil, um desapontamento, uma deficiência física ou uma doença, por exemplo). Creio que o principal enfoque da cruz, dado por aquele que sabia que deveria se negar em nosso favor (deixou o céu por nós), é a negação do EU, que hoje é tão entronizado na religião humanista existencialista atual. Eu devo morrer, nas minhas vontades e paixões, para que possa ser salvo. Esse é o sentido maior de "quem perder a vida por minha causa, achá-la-á
          Bem, negar o EU não é coisa fácil. Nem todos somos como Caim que resolveu a sua ira contra a soberania divina matando os Abéis que nos incomodam. Ao menos não fisicamente. O que resulta, quando não negamos o Eu é o que podemos ver hoje. Formas espúrias de adoração que contentam o ego do homem mas não dão prazer a Deus. Vidas cristãs que tem força nos lábios mas não tem poder no testemuho da fé. Massas que se dizem convertidas, mas pouca transformação no mundo.
          Ao nos postarmos como adoradores devemor refletir profundamente quem deve ser adorado. O Deus soberano, Senhor dos céus e da terra ou eu, homem finito e impotente. Se escolhermos a segunda opção só nos caberá andarmos errantes pela terra.