sábado, 17 de setembro de 2011

O que aprendi com Caim e Lameque

Com respeito a Gênesis 6:2 creio que a expressão “filhos de Deus” se refere a seres humanos mesmo podendo se aplicar a reis ou governantes ou não1 .  Desta forma a dicotomia de duas linhagens de pessoas é bastante clara. Sou reformado e conservador na interpretação bíblica. Creio que a partir de Caim e Abel já se pode distinguir duas vertentes de seres humanos; os adoradores fiéis a Deus e os infiéis. O restante todo da história bíblica, que tem como eixo central a intervenção divina nessa história, em Cristo, é a demonstração da existência e da batalha entre esses dois grupos de pessoas como reflexo do conflito entre Deus e Satanás até que este venha a ser eliminado no lago de fogo juntamente com a morte (Ap 20:10-14). A propósito desse argumento veja-se I Jo 3:12 a respeito do caráter e posição de Caim.

Caim representa não somente a origem daquilo que virá a ser a expressão do mundo com as suas concupiscências más. Ele é, antes, a representação de um sistema falso de adoração a Deus.  Caim tinha fé em Deus (ao menos de que Ele existia e devia ser adorado) e trouxe suas ofertas ao Senhor, mas não com inteireza de coração2.  Caim possuía fé, mas não a fé salvífica que dá crédito somente a Deus pela redenção. Uma fé não salvífica leva a buscar formas de adoração espúrias.

O fato é que, como visto no post anterior, Caim teve olhos maus sobre a adoração legítima de Abel. Sua indisposição contra seu irmão foi apenas um reflexo de sua indisposição para com o próprio Deus. Tem sido assim na história desse mundo desde o início e o será até o fim. Os cristãos fiéis devem esperar por sofrimento e reprovação do mundo mas há uma promessa de recompensa (Hb 11:4, Mt 5:10-11). Fora do relato de Gênesis 4 Caim é citado como nome de cidade uma vez (Js 15:57) e como exemplo de impiedade em três outros textos (Hb 11:4 – em oposição a Abel, I Jo 3:12 – onde é dito que ele era do maligno devido seu caráter mau, e em Jd:11 – como exemplo da corrupção e brutalidade irracional que a iniquidade dá origem.

Note que o relato bíblico termina o capítulo 4 com a descendência a partir de Caim. Tomando-se Adão como o primeiro tem-se: 1-Adão, 2-Caim, 3-Enoque, 4-Irade, 5-Meujael, 6- Metusael, 7-Lameque. O relato das genealogias tem uma pausa para expor algo a respeito de Lameque. Dele se narra o primeiro canto na Bíblia, e é um canto de orgulho pelo fato de ter matado um homem e um rapaz. Além desse fato nota-se o primeiro relato de bigamia, pois ele tomou duas mulheres para serem suas esposas. Lameque representa o processo de endurecimento que o pecado causa, progressivamente, naqueles que rejeitam a Deus e vivem de acordo com seus próprios desígnios.

O capítulo 4 termina com uma nota de esperança. Adão e Eva tiveram outro filho, descrito como alguém que tomaria o lugar de Abel. Repare que, a título de comparação, o capítulo 5 fornece a genealogia a partir de Adão e deste terceiro filho, Sete. Desta forma temos: 1-Adão, 2-Sete, 3-Enos, 4-Cainã, 5-Maalalel, 6- Jarede, 7-Enoque (este o que foi tomado por Deus, para si). Note o contraste entre a impiedade de Lameque (o sétimo na linhagem de Caim) com a piedade de Enoque (o sétimo na linhagem de Sete).

O capítulo 6 termina com a descrição das gerações de Sete até Noé e seus filhos. Apesar do que foi dito de Enos, que nos seus dias se começou a invocar o nome do Senhor, há a informação paralela em Gn 6:5 de que “o Senhor viu que a maldade do homem se multiplicava na terra e que era (e é3) continuamente mau todo o desígnio de seu coração”.

O que aprendi com Caim e Lameque?

1 - posso tentar adorar a Deus de qualquer outra forma que não seja a que Ele determina. Não sou impedido nisso. Mas o fato de a minha adoração ser de acordo com minha vontade não implica que Deus a deva aceitar. Posso ser um adorador (no sentido amplo da expressão), mas estar bem distante da vontade de Deus;

2 - chega um ponto em que sou confrontado, como Caim o foi, e levado a refletir. Como me relaciono com Deus? É uma relação honesta ou sou somente um adorador de fachada? Buscando a sensualidade e os prazeres da carne sob a máscara de culto à Deus? Quando Deus, em sua eleição e providência, se revela ao homem a única coisa que lhe resta é certificar-se de sua pecaminosidade e impureza (Is 6:5);

3 - se eu não tenho o dom da fé salvífica a fé que desenvolvo é, meramente, a fé dos demônios: sabem que Deus existe, prostram-se diante dEle porque é imperativo, mas o coração está centrado no próprio eu. Não há amor, não há prazer e não há comunhão verdadeiros;

4 – Caim me leva a refletir que, no pecado, quero ferir a Deus.  Ninguém pode fazer Deus sangrar vencendo-O, desta forma transfiro o meu ódio e minha vingança contra o meu irmão que exala o perfume de Cristo. Não vejo que o bom testemunho de um crente fiel é um alerta para mim. Ignorante que é, o ímpio não percebe que o seu pecado faz Deus sofrer e que as feridas em um crente fiel, por vingança contra Deus, o ferem mais ainda. Isso nos leva a refletir quão grande é o ódio de Deus contra o pecado e qual será a carga dessa ira divina sobre os iníquos que seguem a satanás (Ap 20: 9-15).

5 – sou levado a refletir que o pecado acariciado, desejado e praticado de forma contínua cauteriza a mente a ponto de homens acharem comum, normal e, subsequentemente correto a sua prática. O canto de Lameque com ênfase de que a vingança para ele seria setenta vezes maior que a vingança contra Caim é uma exaltação a si mesmo como realizador de feitos maiores que seu antepassado. Veja o que a humanidade busca hoje com relação ao aborto, homossexualismo, pedofilia, fornicação, adultério, vários tipos de crimes, a perversão do direito, e etc... Para que o mal prevaleça ainda somam uma batalha árdua contra a Bíblia, a fé verdadeira, a adoração verdadeira, uma visão correta de Deus, doutrinas equilibradas, etc...

6 – ambos me levam a refletir: Se há duas linhagens de pessoas no mundo, através da história, a qual delas pertenço? Faço parte da linhagem dos fiéis filhos de Deus, dos verdadeiramente renascidos, convertidos e regenerados? Ou faço parte dos degenerados em rebelião?

7 – sendo honesto: como minha adoração reflete o que vai em meu coração? Sou fiel? Ou sou um hipócrita? Um rebelde sob uma máscara?

Somente a graça e a misericórdia divina podem nos revelar. Atentemos ao que nos diz Tiago 4:6b-10:

Deus resiste aos soberbos, mas dá graça aos humildes. Sujeitai-vos, pois, a Deus, resisti ao diabo, e ele fugirá de vós. Chegai-vos a Deus, e ele se chegará a vós. Limpai as mãos, pecadores; e, vós de duplo ânimo, purificai os corações. Senti as vossas misérias, e lamentai e chorai; converta-se o vosso riso em pranto, e o vosso gozo em tristeza. Humilhai-vos perante o Senhor, e ele vos exaltará.”

Soli Deo gloria.

notas
1 – Há três principais teorias sobre a interpretação de Gn 6:1-2. Para abordagem inicial veja nota de estudo, por exemplo, como na Bíblia de Estudo Palavras Chave, CPAD, 4ª, 2011, pg. 11-12

2 – Para ilustrar e esclarecer mais veja a mensagem de Josemar Bessa: Cultuando a Deus como Caim ou Abel? Em http://vimeo.com/28881175 ou em http://www.josemarbessa.com/2011/09/cultuando-deus-como-caim-ou-abel.html

3 – comentário do autor

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